quarta-feira, 25 de junho de 2008

Deixei a minha vida no táxi

Deixei a minha vida no táxi, gritei em surdina perante a indiferença da cidade apressada, enquanto os meus passos descompassados se afastavam cada vez mais do automóvel preto e verde, cada um de nós seguindo caminhos opostos na grande avenida. Deixei os meus contactos profissionais no táxi, gritei um pouco mais alto, na esperança de que a multidão anónima se comovesse mais com um desaire laboral do que com uma crise existencial, à medida que o ténue fio de esperança de recuperar o objecto que parecia materializar a minha vida se tornava invisível. Apetecia-me telefonar a alguém e dizer: "É como se me tivesse esquecido de um pulmão, de um pé ou de um pedaço de pele no banco de trás do táxi. E também de um fragmento do meu coração. Perdi as longas horas de conversas ao ouvido, as cicatrizes de pequenos e recorrentes acidentes domésticos, as sms que nunca tive coragem de apagar, a companhia silenciosa no bolso das calças de ganga, o despertador de todas as horas. E cada letra recordada por ordem não alfabética faz-me ver melhor tudo o que perdi. C de consultórios médicos. V de veterinários. G de gráficas, E o J, tantos nomes e números. Como apanhar um táxi sem o R de rádio táxis? E o Z de um velho professor e amigo? Cada letra (à excepção do K e do O) trazem novos indícios de perdas". Terminada esta chamada imaginária e logo que apanhei um telefone à mão, comecei a ligar para mim, como se fosse um outro e confesso que tive alguma dificuldade em alinhar à primeira e sem hesitações o meu número. Não atendi. Nunca atendi. O telemóvel perdido não podia ser uma parte de mim, conclui.

Sem comentários: